domingo, 16 de outubro de 2011

O FRÁGIL ALICERCE DO SOBRADO


Maycon Alves

O conjunto arquitetônico do início do século xx que se localiza na parte central da cidade ainda hoje é capaz de gerar longos debates e exercer o fascínio sobre grande parte dos transeuntes que ao redor da Praça da Matriz e do Rosário se locomovem. Quem por ali passa admira aqueles casarões de porão alto e de grandes proporções geométricas – as janelas são tão próximas da rua que até se houve a respiração dos coronélos. E já que estamos numa sociedade classista, não seria abuso dizer que não são poucas as manifestações que resgatam estes respiros. Veja-se, por exemplo, que a pequena burguesia mocoquense (novos ricos) adora arrematar antigos casarões de famílias “tradicionais” e vestirem seus tecidos ou, como novas cores – como na recente exposição de aquarelas retratando os sobrados – retocar o nosso passado. Fascínio e desejo de estarem ao lado dos vencedores, reproduzindo e se comportando como tais.
Mas acontece que está ficando caro para estes edifícios sustentarem a “fabricação histórica” da cidade apenas pelo coeficiente cafeeiro. Ou seja, é o mesmo que defender a Ditadura Militar pelo viés econômico do Milagre Brasileiro ou anistiar o malufismo paulista por um viés de segurança pública. O que pretendo dizer é que a nossa elite para se perpetuar no poder direcionando a vida política e econômica local, serviu-se durante muito tempo da fabricação do discurso de um possível progresso que agregaria toda a sociedade. Não veio. O que aconteceu foi o contrário. No entanto, se encararmos a concepção de progresso como determinadas características (energia elétrica, luz, telefone, escola, cinema, carro...) da sociedade urbano-industrial da primeira metade do século passado, veremos que o tal progresso (ou modernidade) desenvolveu-se dentro de uma esfera econômica e política muita restrita e, mesmo influenciando no platô urbano, não foi suficiente para integrar horizontalmente a população de baixa renda. 
Para vermos o quanto o abismo entre usufruir do progresso e não usufruir era longo, observemos o seguinte dado do IBGE num estudo datado de 1955, mas realizado em 1950: 71% de nossos habitantes estavam no campo. Algo talvez que não nos surpreenda, posto que a nossa força econômica provem da agricultura. No entanto, do outro lado, num total de 21 mil habitantes da cidade, 10 mil eram analfabetos. Porém o que é mais escandaloso é o número de matricula geral do ensino primário fundamental comum (1950): 3. 107 pessoas dentro de uma população urbana de 8. 651 e 21. 879 pessoas no campo. Ou seja, generalizando, apenas 3% desta população tinha acesso ao progresso.   

Café com sangue

Ainda na contramão da modernidade, vamos ter no final dos anos setenta um aumento de migrantes do campo para a cidade. Daí que a nossa elite, despreparada e torpe entrará  num turbilhão de decadência econômica e política perdendo espaço para novos agentes políticos que, embora reivindiquem a sua bandeira, não necessariamente descendem de grupos tradicionais da terra. Será um período em que o grupo denominado Itaiquara, liderado por jagunços políticos se dissolverá. E em 1972, será eleito o Padre Demóstenes com um vice extremamente fraco e inexpressivo, porém com uma forte arma de oposição: as linhas do jornal A Mococa.
E são das piores as condições do homem do campo e daqueles que estão vindos residir na cidade, mas que retornam para a roça como mão-de-obra muito barata: Cr$ 25,00 por dia. Isto se constitui parte do modos operanti de nossa elite agrária: exploração da terra e de mão de obra. 
Além da extrema dificuldade para sobreviver, o descaso para com o “bóia-fria” chega ao extremo: “foi às cinco horas da tarde. Eles moravam na fazenda e a filha na cidade, pois ela trabalhava na casa do patrão. Mandaram avisar que era para eles irem até a cidade, pois a filha estava passando muito mal na Santa Casa. Foram. Quando lá chegaram, encontraram a filha morta, toda rebocada de sangue e café, estirada à beira do fogão” (formigão, março 1976, pág 3). Talvez obra do destino de uma cidade, mas café e sangue sempre estiveram lado a lado desenhando o passado de Mococa. Neste sentido, creio que devemos soltar os vampiros pela cidade. 
Talvez hoje o dedo na ferida nem doa mais, mas devemos enfiá-lo. Todavia, mesmo sendo algo panfletário ou em desuso, reitero aos mocoquenses de origem humilde, ligados àquela gente pobre que migrou do campo e que sobreviveu ao massacre das zelite nativa, que não devemos reverência a estes prédios com símbolo de nobreza, pois suas sacadas e seus jardins de caramanchão são a antiMococa. É a negação e a desnorteação de nosso passado. E mesmo que o discurso de preservação do patrimônio histórico seja forte, reclame então, sobre o porquê de não se preservar o espaço daqueles que derramaram o suor trabalhando na lavoura.


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