segunda-feira, 19 de setembro de 2011

FOLHETIM: HISTÓRIA UNIVERSAL DA CIDADE DE MOCOCA


                                                                                                    Getulio Cardozo


Há uns dois anos que vinha trabalhando num romance sobre os reflexos da ditadura militar em Mococa, pois tenho muito material dessa época, principalmente jornais da imprensa alternativa, como Movimento, Opinião, Versus, Politika, etc. Tenho muito traste na memória para ser usado. A idéia inicial era trabalhar um tema da época do jornal Formigão, que eu e o Jefferson Zanchi fundamos nos anos setenta e que foi uma espécie de Pasquim em Mococa. Escrevi umas trinta páginas, numa narrativa fragmentada, buscando reconstruir o ambiente da época, usando colagens de anúncios, editoriais do jornal A Mococa, Tribuna do Vale do Rio Pardo, Formigão. Inseri até um roteiro cinematográfico criado por uma personagem que dei o nome Carmem Lucia, que teria sido engravidada pelo delegado Fleury no pau-de-arara.

O mais difícil era o nome para o romance. Testei vários, mas nenhum me agradou. Essa tarde me surgiu uma idéia luminosa: Historia Universal da Cidade de Mococa! Um livro onde o que importasse fosse a quantidade de páginas e não a qualidade literária. Uma espécie de dispensa onde pudesse reunir tudo o que existiu e existe em Mococa.

Faltava um personagem com sintomas de demência para administrar aquele hospício, alargar até o infinito aquela bagunça . Foi quando o Wahsignton me contou a história de Filhinho Toledo, um velho mocoquense sempre de terno e chapelão na cabeça, que não dizia coisa com coisa. O que me surpreendeu foi o nome: Filhinho Toledo. Imediatamente fui buscá-lo no mundo dos mortos para o meu romance.

Para que Filhinho Toledo tivesse espaço no meu livro, tive que derrubar muita parede, botar no saco de lixo muita coisa que havia escrito. Entretanto, o desfile de personagens não parou aí, pois surgiram em cena Mané Garrucha, o taxista Amadeu , Nhô Frô, Serapião do Brejo Alegre, Mario Lauria, Til-Sil, Curruila, urubus comendo vaca morta no pasto do Geninho, eu com dezenove anos subindo o morro da Mocoquinha deprimido, Zé do açougue, meu amigo Queio, Jorge do Bar do Bechiga etc.

Meses depois, li no jornal a reportagem sobre um skinhead gay, morto pelos próprios companheiros. Percebi que precisava desse personagem para desconstruir uma porção de medos, preconceitos, principalmente numa cidade com ranço de coronelismo como a nossa.  Esse skinhead se transformaria numa espécie de monstro, pois nele baixaria tudo que fosse espírito ruim da velha aristocracia rural, toda crueldade dos barões, todo mal feito do clero e da milícia. Portanto, mandei esse skinhead bicha ter umas aulas com o diabo.

Sem meu consentimento muitos outros personagens foram surgindo no universo da minha ficção, talvez seres que há muito aguardam no limbo do inconsciente o momento de se manifestarem. É nesse momento que a ficção sobrepõe o mundinho do autor com suas idéias, conceitos e sentimentos. O autor não se reconhece mais naquilo que está escrevendo. Nesse sentido, o romance moderno é sempre uma experiência nova, revelando que a palavra será sempre uma desconhecia, uma estranha entre nós. Rompe do nada um mundo desconcertante e em cada ocaso surge uma cidade diferente.

Nessa minha experiência com um romance sobre Mococa dos anos 70, deu tudo errado o que planejei. A pirâmide que estava erguendo para ser contemplada no futuro veio por terra. A história real da época da ditadura é um tênue fio onde caminho com medo de escorregar. É um trabalho humilde e que às vezes leva longos períodos de espera. Escrevi 10.221 páginas para esquecer por uns tempos na gaveta, até que consiga tranqueira suficiente para minha história universal de Mococa.

Ob.: Estou em contato com uma empresa multinacional que fabrica fumo de rolo para patrocinar a publicação do romance em forma de folhetim.



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