terça-feira, 21 de dezembro de 2010

BLADE RUNNER, o caçador de andróides


Rafael Martins


O cinema tem cenas que para sempre impregnarão à memória dos seus admiradores. Um olho verde refletindo uma Los Angeles sombria, em 2019, com as chamas das fábricas, o céu negro ao fundo, sem estrelas, cortado por aeronaves. Desta forma começa Blade Runner: o caçador de andróides, a obra prima de Ridley Scott.

Inspirado no livro de Philip K. Dick, Do Androids Dream of Electric Sheep?, ambientado numa metrópole futurista e praticamente inabitável, o filme mostra a história de Deckard, o policial vivido por Harrison Ford que recebe ordem para “matar” alguns andróides rebeldes, fugitivos de uma colônia interplanetária.

À primeira vista, lendo sua sinopse, Blade Runner parece não possuir nada que o diferencie de outras obras de ficção científica. Entretanto, tudo é muito bem pensado e construído. A Los Angeles idealizada em 2019 me parece estar muito próxima do que nos aguardará nas grandes metrópoles se os governantes de todo o mundo continuarem ignorando a importância das questões ambientais, como aconteceu recentemente em Copenhage.

Questões ambientais à parte, o filme disputou duas estatuetas do Oscar: direção de arte e efeitos visuais. E pela perfeição do que constatamos na tela, recebeu tais indicações com todo mérito possível.

A trilha sonora assinada por Vangelis também merece distinções. Dá ao espectador a clara impressão que ela, a cada cena, narra a história por si só, dispensando diálogos e explicações.

 Além de nos apresentar ao futuro no qual não gostaríamos de estar, Ridley Scott traz à tona questões existências sempre inerentes à natureza humana. Em Blade Runner, alguns andróides, que em tudo imitam seus criadores, foram desenvolvidos para durar apenas meia década. Assim como nós, eles têm consciência da brevidade de suas existências, e se apegam à vida com todas as suas forças. A beleza e angústia deste filme residem em não falar simplesmente de andróides, mas de nós mesmos.

Em dado momento, a andróide Pris, interpretada por Daryl Hannah, diz a um dos seus criadores: “penso, logo existo”. São as mesmas palavras proferidas pelo filósofo René Descartes, há meio milênio atrás. A propósito, é difícil não associar o nome do policial Deckard ao nome do filósofo. 
Dentre muitos outros momentos marcantes, um deles se dá quando Deckard se depara com Batty, o mais perigoso dos andróides perseguido pelo policial. Batty diz a Deckard: “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam... todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva.” Desde o início da trama, o corpo do andróide vivenciado por Rutger Hauer já lhe dava sinais de deterioração, e a idéia de simplesmente desaparecer, sem deixar a sua marca no mundo, o aflige. Rutger Hauer interpreta um andróide, mas suas condições se parecem com as de um personagem de tragédia grega à mercê da vontade irrevogável de seus criadores (os deuses).

Por todos estes motivos, Blade Runner, que surgiu em 1982, tende a continuar despertando o interesse de gerações futuras. Em 1992, foi lançada a versão do diretor, até então inédita. Hoje, esta versão pode ser encontrada no formato de DVD. A impressão que fica é a de que quanto mais o tempo passar, mais este filme será atual.

Recentemente, revendo esta obra, fui levado a recordar uma entrevista do arquiteto Oscar Niemeyer, na qual dizia que “a vida é um sopro.”

“A vida é um sopro”, caro leitor, por isto se diz, se escreve, se lê, se filma e se assistem filmes. Para que as coisas, inclusive nós, não se percam no tempo.

Artigo  publicado originalmente no jornal DEMOCRATA (São José do Rio Pardo, 9 de janeiro de 2010).


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