sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NOBEL. Por que eles e nunca nós?

Rafael Martins


De acordo com o comitê julgador da academia sueca, o Prêmio Nobel de literatura deste ano foi concedido ao escritor Mario Vargas Llosa "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual". Nós, brasileiros, leitores de Vargas Llosa, não podemos senão acatar os argumentos da academia sueca.

De fato, o autor peruano conhece como poucos a realidade da América do Sul. Seu engajamento político causa polêmica pelo caráter anfíbio. Ainda jovem, foi um entusiasta da revolução cubana para, mais tarde, decepcionar-se com o socialismo e com a esquerda na América Latina, chegando ao ponto de concorrer à presidência do Peru em 1990, como um candidato de centro-direita. Hoje, em artigos e entrevistas, Llosa critica abertamente governantes à esquerda, como Hugo Chaves, Evo Marales e Rafael Correa. Nem mesmo Lula, pela simples proximidade destes líderes, escapa de sua língua afiada.

Entretanto, independente de qualquer postura política, Vargas Llosa sabe posicionar-se diante do leitor, cativar-lhe à medida que fundamenta suas posições. Seu primeiro livro a chegar às minhas mãos foi História de Mayta e ali encontrei o que os membros da academia sueca chamaram de “revolta e derrota individual". Tendo como gancho um fato histórico do Peru, o livro narra a tentativa de uma revolução à esquerda no país que, por uma série de contradições da própria militância local (e até mundial), não se concretizara.

Mais tarde conheci A Festa do Bode, obra monumental que narra o assassinato de Rafael Trujilo e, por conseguinte, a queda de uma ditadura de 31 anos na República Dominicana. Desta vez ficou claro, pelo menos para mim, que o autor chegou ao patamar de posicionar-se acima do bem e do mal, no que se refere às suas obras literárias. E é neste livro, por exemplo, que constatamos "sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência”.

Que Mário Vargas Llosa merecera o Prêmio Nobel não há dúvidas. A questão que devemos lançar agora é: por que nenhum brasileiro fora laureado até o momento? Para mim os motivos são muitos e todos são injustificáveis. O primeiro deles é a Língua Portuguesa, haja vista que apenas um autor (José Saramago) que escrevera nesta língua fora agraciado com o prêmio. O segundo motivo é a região em que vivemos. Se compararmos a quantidade de autores Estadunidenses e Europeus laureados com a da América Latina, a indignação é inevitável.

Ferreira Gullar, que conquistou o Prêmio Camões deste ano (distinção máxima concedida aos escritores de língua portuguesa), poderia, igualmente, ter conquistado o Nobel. Sua vitória seria justa. Trata-se de nosso escritor de maior envergadura no momento. Mas, antes de Gullar, existiram outros, tão grandes ou maiores que Vargas Llosa: Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Drummond e João Cabral de Mello Neto. Jorge Amado também poderia ser acrescentado a esta lista e foi justamente ele o autor brasileiro que esteve mais próximo do feito inédito e que, segundo rumores, só não o foi devido aos prêmios que recebera da União Soviética. Se esta fosse uma justificativa, então como conceberíamos a distinção atribuída a Jean Paul Sartre que, ironicamente, a rejeitou. E logo ele, entusiasta do comunismo na China e na União Soviética. O fato é que os acadêmicos suecos ignoram nossa literatura, mais até do que nossa língua e nossa posição no globo.

Artigo publicado no jornal Democrata (São José do Rio Pardo, 24 de dezembro de 2010).

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