Rafael Martins
De fato, o autor peruano conhece como poucos a realidade da América do Sul. Seu engajamento político causa polêmica pelo caráter anfíbio. Ainda jovem, foi um entusiasta da revolução cubana para, mais tarde, decepcionar-se com o socialismo e com a esquerda na América Latina, chegando ao ponto de concorrer à presidência do Peru em 1990, como um candidato de centro-direita. Hoje, em artigos e entrevistas, Llosa critica abertamente governantes à esquerda, como Hugo Chaves, Evo Marales e Rafael Correa. Nem mesmo Lula, pela simples proximidade destes líderes, escapa de sua língua afiada.
Entretanto, independente de qualquer postura política, Vargas Llosa sabe posicionar-se diante do leitor, cativar-lhe à medida que fundamenta suas posições. Seu primeiro livro a chegar às minhas mãos foi História de Mayta e ali encontrei o que os membros da academia sueca chamaram de “revolta e derrota individual". Tendo como gancho um fato histórico do Peru, o livro narra a tentativa de uma revolução à esquerda no país que, por uma série de contradições da própria militância local (e até mundial), não se concretizara.
Mais tarde conheci A Festa do Bode, obra monumental que narra o assassinato de Rafael Trujilo e, por conseguinte, a queda de uma ditadura de 31 anos na República Dominicana. Desta vez ficou claro, pelo menos para mim, que o autor chegou ao patamar de posicionar-se acima do bem e do mal, no que se refere às suas obras literárias. E é neste livro, por exemplo, que constatamos "sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência”.
Que Mário Vargas Llosa merecera o Prêmio Nobel não há dúvidas. A questão que devemos lançar agora é: por que nenhum brasileiro fora laureado até o momento? Para mim os motivos são muitos e todos são injustificáveis. O primeiro deles é a Língua Portuguesa, haja vista que apenas um autor (José Saramago) que escrevera nesta língua fora agraciado com o prêmio. O segundo motivo é a região em que vivemos. Se compararmos a quantidade de autores Estadunidenses e Europeus laureados com a da América Latina, a indignação é inevitável.
Ferreira Gullar, que conquistou o Prêmio Camões deste ano (distinção máxima concedida aos escritores de língua portuguesa), poderia, igualmente, ter conquistado o Nobel. Sua vitória seria justa. Trata-se de nosso escritor de maior envergadura no momento. Mas, antes de Gullar, existiram outros, tão grandes ou maiores que Vargas Llosa: Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Drummond e João Cabral de Mello Neto. Jorge Amado também poderia ser acrescentado a esta lista e foi justamente ele o autor brasileiro que esteve mais próximo do feito inédito e que, segundo rumores, só não o foi devido aos prêmios que recebera da União Soviética. Se esta fosse uma justificativa, então como conceberíamos a distinção atribuída a Jean Paul Sartre que, ironicamente, a rejeitou. E logo ele, entusiasta do comunismo na China e na União Soviética. O fato é que os acadêmicos suecos ignoram nossa literatura, mais até do que nossa língua e nossa posição no globo.
Artigo publicado no jornal Democrata (São José do Rio Pardo, 24 de dezembro de 2010).
Artigo publicado no jornal Democrata (São José do Rio Pardo, 24 de dezembro de 2010).
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