segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

DEMÉTRIO



Getulio Cardozo
(Crônica)

Nesse caso de nada adiantaria referências convencionais como sexo, cor da pele, nacionalidade, etc. É mais ou menos como aquele texto que não é conto, não é crônica, não é poesia, “mas tem alguma coisa ali” – você diz. Nunca irão saber quem foi Demétrio descobrindo o seu caderno de escola, o dia do seu aniversário, quem foram seus pais ou que veio a falecer sete meses depois do julgamento numa prisão... Aliás, Demétrio não morreu e nem poderia. A namorada diante do juiz que presidia o júri disse que Demétrio era um sonho e em prantos completou:

- Esqueçam esse homem, pois ele não existe!
        
O advogado de defesa poderia muito bem aproximar-se dos jurados, apontar o dedo para o réu e dizer:
        
- Esse é o falso Demétrio!
                 
Ninguém naquele momento poderia invalidar aquele argumento, pois todos ali deviam estar perguntando em que planeta acontecia essas coisas.
        
Mas quem era o peitudo para questionar o doutor Isidoro, criminalista que pôs debaixo dos sapatos os maiores promotores, que conhecia todos os labirintos do judiciário e todos os estilos de suborno.
        
E o crime foram algumas fotografias. É muito difícil montar as peças desse caso para escrever uma crônica, uma reportagem, pois tudo se espatifa quando se aproxima de Demétrio. Nem pense em chamar o psiquiatra, o médium, o astrólogo, o filósofo, pois não se sairão bem nesse ramo. A própria sentença que o condenou pode ser um lance de dados. Bobagem mergulhar a fundo, pois não vai se sair do outro lado.
        
Como o advogado omitiu da defesa a inexistência de Demétrio e até deu ênfase à sua presença, ele passou a existir nos autos de um processo-crime, na jurisprudência, nas conversas dos magistrados. O que mais chama atenção no processo são as fotografias das mulheres nuas e todas pousando alegremente para o cruel assassino. A morte não intimida nenhuma delas, mesmo que venha pelo fio da navalha. Elas nada têm a ver com aqueles laudos técnicos, relatórios, oitivas de testemunhas. O laço da lógica não alcança o bailado dessas meninas.

Demétrio teve uma ambição desmedida em suas fotografias, ultrapassou as fronteiras dessa vida com sua arte. Chegou muito perto do que fotografou e assim as imagens se dissiparam. Pode parecer exagero, mas nunca a matéria foi tão crua. Por Deus que a ilusão foi desfeita naquelas lentes. Para galgar essas alturas utilizou de um realismo que atropelou a própria arte.

Ele não cabia naquela pequena classe média e não podemos aceitar que o chefe do correio fora seu pai, o aposentado do Banco do Brasil o seu tio, o empresário de cabelos grisalhos e óculos escuros seu parente distante.
        
Mas os crimes, o tribunal, os boatos, as perícias, vieram dar alguma consistência naquilo que era para ser ficção. Talvez isso explique a existência das coisas, as origens do bem e do mal. O importante para nós é que se estabeleceu um consenso de que Demétrio existia e que deveria ser condenado por seus crimes. E essa foi a estratégia usada pela defesa, para levar à vertigem quem estivesse no salão do júri, para tumultuar os caminhos da reta razão, para jogar a ética na privada, para dar uma banana para acusação. Porque todos foram convencidos pela namoradinha de Demétrio que ele não existia, suas lágrimas foi um apelo muito forte:
        
- Amor...! Diga a eles que você não existe!
     

Um comentário:

  1. não era Nietzsche que dizia que deus tinha morrido? Então. rss

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