sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O CINEMA DE MEUS OLHOS


 Rafael Martins

Até mesmo alguns dos leitores de Vinícius de Moraes ignoram que o autor de poemas e músicas memoráveis teve uma relação intensa com o cinema. Hoje, boa parte desta relação se encontra registrada num livro que leva o nome de “O Cinema de Meus Olhos”. Trata-se de uma compilação de crônicas sobre a sétima arte, escritas para alguns jornais nas décadas de 40 e 50.

Lendo estas crônicas percebe-se que seu autor não era um crítico no sentido restrito da palavra. Vinícius não era um tecnicista quando abordava o assunto. Na verdade, olhava a grande tela mais como poeta do que crítico. Ao escrever sobre cinema o que lhe interessava era guiar os olhos do espectador, ensiná-lo a olhar.

Entretanto, o fato de ver cinema mais como poeta do que como crítico, não lhe supria o desejo de conhecer a fundo como se faz filmes. Quando o já consagrado Orson Wells visitou o Brasil com o intuito de filmar um documentário, o poeta acabou se tornando seu amigo, acompanhando-o, inclusive, em suas filmagens.

Nesta ocasião, Vinícius de Moraes, ao elogiar “Cidadão Kane”, disse que Orson Wells foi “o único que soube dar ao som um valor exclusivamente cinematográfico”. Para ele o cineasta realizou, “sonoramente, o ideal da imagem muda.” A princípio o norte-americano não havia concordado com a opinião do brasileiro. Vinicius foi um grande defensor do cinema silencioso em detrimento do cinema sonoro. Tal posicionamento o levou a promover um debate de proporção nacional em torno do tema. Naquela época, o cinema sonoro estava mais do que consolidado. Abraçar uma causa perdida, como neste caso, apenas comprovou sua coragem e seu caráter quixotesco.

Talvez seja essa uma das razões pela qual admirava Charles Chaplin de modo inquestionável. O personagem Carlitos sintetizava-lhe tudo o que se espera do ser humano diante do absurdo da vida contemporânea. Em “O Cinema de Meus Olhos”, encontramos um número substancial de crônicas a contemplar Chaplin, que, para ele, foi o maior artista do século XX. Só para o filme “Luzes da Cidade”, por exemplo, são três crônicas dedicadas.

Mas sua paixão pelo cinema não se restringia apenas ao ambiente de Hollywood. Foi um grande entusiasta da produção nacional, apesar dos seus defeitos que, pela época, eram até compreensíveis. Dentro deste contexto, vale salientar a sua admiração por Grande Otelo, a ponto de considerá-lo o melhor ator brasileiro de seu tempo. Em um de seus textos, confessa que, se o Grande Otelo concordasse, gostaria muito de ser seu amigo. Vinícius era assim, admirava os mais simples e queria-lhes a amizade. Era capaz de notar o ser humano tanto em um brasileiro como Otelo quanto em um estadunidense como Orson Wells.

Sabe-se que sua paixão pelas mulheres foi outra marca profunda em sua trajetória. No cinema, tal não podia se dar de modo diferente. Algumas de suas crônicas são verdadeiros poemas em louvor da beleza de seletas atrizes. Sobre Greta Garbo, era capaz de dizer coisas do tipo: “é uma mulher-sumidouro, sem a menor dúvida, uma mulher-orquídea, de condição fatal”.  Sobre Paulette Goddard: “é mulher de perseguir um homem até vê-lo na maior baixeza, fazê-lo fingir que está doente para não deixar ela ir às festas, ou então cair no álcool.”

Na época em que escrevia sobre cinema, Hollywood começava a mostrar suas garras. Eram filmes e mais filmes feitos a toque de caixa, como acontece hoje, sem o mínimo de respeito ao espectador. Uma das qualidades de Vinícius era ser honesto consigo e com os outros acerca de suas paixões, e dele não poderia se esperar algo diferente senão críticas. Suas críticas contundentes à Hollywood fizeram com que os distribuidores de filmes ameaçassem retirar seus anúncios publicitários do jornal “A Manhã”, em que o cronista trabalhava, caso ele não fosse afastado. De fato, conseguiram o que queriam. Mas por pouco tempo. Até ele retornar a outro jornal. Zombava de Hollywood com o melhor dos humores.  Vinícius opunha-se ao sistema à maneira de Carlitos.


Artigo  publicado no jornal Democrata (São José do Rio Pardo, 23 de janeiro de 2010).

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