segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

LINHA DE PASSE



Rafael Martins
(Crônica de Cinema
dezembro de 2009)


Quando vi um filme do Walter Salles pela primeira vez, ainda não morava em Rio Pardo. Foi em 2001. Eu e um saudoso amigo, após sairmos do cinema, caminhamos por três quadras sem dizer palavra alguma até começarmos a falar sobre o que assistimos como quem discutisse poesia. Abril Despedaçado não poderia ser outra coisa senão poesia.

Oito anos depois, sou obrigado a ver Linha de Passe, a parceria mais recente entre Walter Salles e Daniela Thomas, na sala de estar.

Linha de Passe é uma expressão do futebol, e acontece quando um jogador toca a bola para o outro, que por sua vez a devolve, sem que ela toque o chão. O título representa muito bem o que seria o filme, o drama pessoal de cada personagem interligado pela câmera.

Linha de Passe não possui a poesia explicita de Abril Despedaçado. Sua poesia reside no seu lado inverso, por se aproximar da linguagem do documentário. Como diz a própria Daniela Thomas, em entrevista contida nos extras do DVD, é “a ficção com ganas, com inveja da realidade. A ficção que se quer realidade”. Sua fotografia e preparação dos atores comprovam isto. Vinícius de Oliveira, por exemplo, para interpretar o rapaz que pretende ser um jogador de futebol profissional, precisou treinar nas categorias de base de equipes profissionais.  João Baldasserine, para interpretar o motoboy chamado Denis, vivenciou durante algum tempo a experiência de guiar uma moto no trânsito perigoso de São Paulo. Para Zé Geraldo Rodrigues, o Dinho, representar um evangélico, foi necessário frequentar igrejas evangélicas.  Kaique de Jesus Santos, o menino Reginaldo que vive a procura do pai, antes do filme, nem pensava em ser ator profissional. Para completar, Sandra Corveloni, a empregada doméstica Cleusa, grávida e mãe destes outros personagens, com seu rosto marcado pela vida, foi tão convincente a ponto de ganhar a Palma de Ouro em Cannes, melhor atriz.

Algo muito forte aproxima Linha de Passe ao Central do Brasil, outra obra de Walter Salles. Se no primeiro nós vemos Cleusa, no segundo encontramos Dora, interpretação de Fernanda Montenegro que lhe rendeu o Urso de Prata. Ambos retratam mulheres não poupadas pelo tempo e o lugar onde vivem. O próprio Vinícius de Oliveira, o menino de Central, agora parece irreconhecível, mais velho e sofrido. É claro que o trabalho das filmagens colabora para tanto. Existe um esforço para retratar pessoas comuns e não heróis feitos de mármore.

A lente do diretor tem buscado obsessivamente estes exilados de lugar nenhum. Exilados que podem morar aqui, na periferia de nossa cidade, ou no sertão do país, ou num lugar da grande São Paulo chamado Cidade Líder.

Talvez o formato de DVD não comporte tudo o que este filme e seus antecessores queiram dizer. Há detalhes que só a grande tela expõe de modo satisfatório. A trilha sonora discreta, a fotografia com poucos tratamentos, a veracidade dos passeios de moto, os cultos evangélicos, as partidas de futebol, tal conjunto consegue dar a obra, ironicamente, uma beleza quase invisível.

Quem comparar o subtítulo do filme (“A vida é o que você faz dela”) ao desfecho que ele mostrar, como dizem no futebol, poderá ficar com a sensação de um empate com sabor de derrota. Eu prefiro o contrário.


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